por Mark Weber
Avaliando o legado sombrio do comunismo soviético
Na noite de 16-17 de julho de 1918, um esquadrão da polícia secreta bolchevique assassinou o último imperador da Rússia, o Czar Nicolau II, juntamente com sua esposa, Tsaritsa Alexandra, seu filho de 14 anos, Tsarevich Alexis e suas quatro filhas. Eles foram executados com uma saraivada de tiros em um quarto do porão da casa em Ekaterinburg, uma cidade na região montanhosa dos Urais, onde estavam sendo mantidos prisioneiros. A execução das filhas foi consumada com baionetas. Para evitar um culto ao Czar morto, os corpos foram levados em uma carroça até a zona rural e enterrados às pressas em um túmulo secreto.
Inicialmente, as autoridades bolcheviques informaram que o imperador Romanov havia sido baleado após a descoberta de um complô para libertá-lo. Por algum tempo as mortes da Imperatriz e das crianças foram mantidas em segredo. Os historiadores soviéticos afirmaram por muitos anos que os bolcheviques locais haviam agido sozinhos no cumprimento dos assassinatos e que Lenin, fundador do Estado soviético, não tinha nada a ver com o crime.
Em 1990, o historiador e dramaturgo de Moscou, Edvard Radzinsky anunciou o resultado de sua detalhada investigação sobre os assassinatos. Ele trouxe à luz as memórias do guarda-costas de Lênin, Alexei Akimov, que contou como havia entregue, na estação de telégrafos, a ordem de Lênin para a execução. O telegrama estava assinado pelo chefe do governo soviético Yakov Sverdlov. Akimov guardou a fita do telégrafo original como registro da ordem secreta.
A pesquisa de Radzinsky só confirmou as evidências expostas anos atrás. Leon Trotsky – um dos colegas mais próximos de Lênin – revelou que Lênin e Sverdlov haviam juntos tomado a decisão de condenar à morte o Czar e sua família. Lembrando-se de uma conversa em 1918, Trotsky escreveu:
Minha próxima visita a Moscou ocorreu após a queda [temporária] de Ekaterinburg [às forças anticomunistas]. Falando com Sverdlov, perguntei:
“Oh sim, e onde está o Czar?”
“Morto,” respondeu. “Ele foi fuzilado.”
“E onde está a família?”
“A família também.”
“Todos eles?”, perguntei, aparentemente um pouco surpreso.
“Todos eles,” respondeu Sverdlov. “E daí?” Ele estava esperando para ver minha reação. Não respondi nada.
“E quem tomou a decisão?”, perguntei.
“Nós decidimos aqui. Ilych [Lênin] achou que não deveríamos deixar para os Brancos uma bandeira viva junto à qual eles pudessem se reunir, principalmente sob as atuais e difíceis circunstâncias.”
Não fiz mais perguntas e considerei o caso encerrado.
Pesquisas e investigações recentes levadas a cabo por Radzinsky e outros, também corroboram o relato fornecido anos antes por Robert Wilton, correspondente do London Times na Rússia por 17 anos. Seu relato: Os Últimos Dias dos Romanov – originalmente publicado em 1920, e republicado em 1993 pelo Institute for Historical Review – baseia-se em grande parte nas descobertas de uma investigação detalhada realizada em 1919 por Nicolai Sokolov sob a autoridade do líder “Branco” (anticomunista) Alexander Kolchak. O livro de Wilton ainda é um dos mais acurados e completos relatos do assassinato da família imperial da Rússia.
Um entendimento bem fundamentado da história sempre foi o melhor guia para a compreensão do presente e a antecipação do futuro. É por essa razão que as pessoas estão mais interessadas nas questões históricas em épocas de crise, quando o futuro parece mais incerto. Com o colapso do regime comunista na União Soviética, entre 1989-1991, quando os russos lutavam para construir uma nova ordem sobre as ruínas da antiga, as questões históricas tornaram-se assunto do dia. Por exemplo, muitos se perguntam como é que os bolcheviques, um movimento pequeno guiado pelos ensinamentos do filósofo social teuto-judeu Karl Marx, puderam tomar o poder na Rússia e impor um regime cruel e despótico a seu povo?
Nos últimos anos, os judeus de todo o mundo têm manifestado sua preocupação sobre o espectro de anti-semitismo nas terras da ex-União Soviética. Nesta nova e incerta era, há notícias de que sentimentos antes reprimidos de raiva e ódio aos judeus estão reaparecendo. Segundo uma pesquisa de opinião pública conduzida em 1991, por exemplo, a maioria dos russos queria que todos os judeus deixassem o país. Mas por que razão o sentimento antijudeu é tão disseminado entre os povos da ex-União Soviética? Por que tantos russos, ucranianos, lituanos e outros põem a culpa nos judeus por tanta desgraça?
Um tabu
Embora oficialmente os judeus jamais tenham constituído mais do que cinco por cento da população total do país, eles tiveram um papel altamente desproporcional e provavelmente decisivo na começo do regime bolchevique, dominando efetivamente o governo soviético em seus anos iniciais. Os historiadores soviéticos, junto com a maioria de seus colegas no Ocidente, preferiram por décadas ignorar esse assunto. Esses fatos, contudo, não podem ser negados.
Com a notável exceção de Lênin (Vladimir Ulyanov), a maioria dos líderes comunistas que tomaram o poder na Rússsia em 1917-1920 eram judeus. Leon Trotsky (Lev Bronstein) comandava o Exército Vermelho e, por algum tempo, foi chefe das relações exteriores soviéticas. Yakov Sverdlov (Solomon) foi secretário-executivo do partido bolchevique e presidente do Comitê Executivo Central – líder do governo soviético. Grigori Zinoviev (Radomyslsky) liderava a Internacional Comunista (Comintern), a agência central para a disseminação da revolução em países estrangeiros. Outros judeus eram parte do poder, Karl Radek (Sobelsohn), o comissário de relações exteriores Maxim Litvinov (Wallach), Lev Kamenev (Rosenfeld) e Moisei Uritsky.
O próprio Lênin era de ascendência principalmente russa e calmuque, mas também um quarto judeu. Seu avô materno, Israel (Alexander) Blank, foi um judeu ucraniano que depois se batizou na Igreja Ortodoxa Russa.
Um consumado internacionalista, Lênin desprezava as lealdades étnicas ou culturais. Tinha pouco respeito por seus próprios conterrâneos. “Um russo inteligente,” disse certa vez, “é quase sempre um judeu ou alguém com sangue judeu nas veias.”
Encontros decisivos
Na tomada de poder na Rússia, o papel dos judeus foi decisivo.
Duas semanas antes da “Revolução de Outubro” bolchevique de 1917, Lênin convocou um encontro secreto em São Petersburgo (Petrogrado) no qual os principais líderes do Comitê Central do partido bolchevique tomaram a fatídica decisão de tomar o poder de forma violenta. Das doze pessoas que participaram desse decisivo encontro, havia quatro russos (inclusive Lênin), um georgiano (Stalin), um polonês (Dzerzhinsky) e seis judeus.
Para a direção do golpe, foi escolhido um “Gabinete Político” de sete homens, que consistia de dois russos (Lênin e Bubnov), um georgiano (Stalin) e quatro judeus (Trotsky, Sokolnikov, Zinoviev e Kamenev). Enquanto isso, o Soviete de Petersburgo (Petrogrado) – cujo presidente era Trotsky – estabeleceu um “Comitê Revolucionário Militar” de 18 membros para realizar a efetiva tomada de poder, que incluía oito (ou nove) russos, um ucraniano, um polonês, um caucasiano e seis judeus. Finalmente, para supervisionar a organização da revolução, o Comitê Central Bolchevique estabeleceu um “Centro Militar Revolucionário” como comando das operações do partido, que consistia de um russo (Bubnov), um georgiano (Stalin), um polonês (Dzerzhinsky) e dois judeus (Sverdlov e Uritsky).
Vozes contemporâneas
Observadores bem informados, tanto dentro como fora da Rússia, perceberam na época o papel crucial dos judeus no Bolchevismo. Winston Churchill, por exemplo, em um artigo publicado em 8 de fevereiro de 1920 no Illustrated Sunday Herald de Londres, alertou para o fato de que o Bolchevismo era uma “conspiração mundial para a derrubada da civilização e reconstituição da sociedade com base no desenvolvimento interrompido, na malevolência invejosa e na igualdade impossível.” O eminente líder político e historiador britânico disse ainda:
“Não é preciso exagerar o engajamento que tiveram os judeus internacionais e em sua maioria ateus, na criação do Bolchevismo e no suscitamento da Revolução Russa. É parte muito grande com certeza; e provavelmente supera as demais. Com a notável exceção de Lênin, a maioria das principais figuras é de judeus. Além disso, a maior inspiração e força motora vem dos líderes judeus.
Assim que Tchitcherin, um russo puro, foi eclipsado por seu subordinado nominal, Litvinoff, e a influência de russos como Bukharin ou Lunacharski não pode se comparar ao poder de Trotsky, ou de Zinoviev, o Ditador da Citadela Vermelha (Petrogrado), ou de Krassin ou Radek – todos judeus. Nas instituições soviéticas a predominância dos judeus é ainda mais impressionante. E a parte proeminente, se não a principal, no sistema de terrorismo aplicado pelas Comissões Extraordinárias para o Combate à Contra-Revolução [a Cheka] foi tomada pelos judeus, e em alguns casos notáveis por judias.
Desnecessário dizer que as paixões mais intensas de vingança foram excitadas no coração do povo russo.
David R. Francis, embaixador dos Estados Unidos na Rússia, avisou em despacho de janeiro de 1918 a Washington: “Os líderes bolcheviques aqui, a maioria dos quais são judeus e 90 por cento dos quais são exilados que retornaram, pouco se importam pela Rússia ou qualquer outro país mas são internacionalistas e estão tentando começar uma revolução social universal.”
O embaixador da Holanda na Rússia, Oudendyke, fez quase a mesma observação alguns meses depois: “Se o Bolchevismo não for imediatamente cortado pela raiz, ele vai se espalhar de uma forma ou de outra por toda a Europa e pelo mundo inteiro, pois foi organizado e executado por judeus que não têm nacionalidade e cujo único objetivo é destruir para seus próprios fins a ordem existente das coisas.”
“A Revolução Bolchevique,” declarou um dos principais jornais da comunidade judia americana em 1920, “foi em grande parte o produto do pensamento judeu, do descontentamento judeu, do esforço judeu de reconstruir.”
Como mostra de seu caráter radicalmente antinacionalista, o incipiente governo soviético emitiu um decreto poucos meses após tomar o poder que tornou o anti-semitismo um crime na Rússia. O novo regime comunista tornou-se assim o primeiro no mundo a punir severamente todas as manifestações de sentimento anti-semita. Os oficiais soviéticos aparentemente consideravam indispensáveis essas medidas. Baseado em minuciosa observação durante longa estada na Rússia, o erudito judeu-americano Frank Golder disse em 1925 que “devido ao fato de que muitos dos líderes soviéticos são judeus, o anti-semitismo está crescendo [na Rússia], principalmente no exército [e] entre a antiga e a nova inteligência cujas posições estão sendo ocupadas pelos filhos de Israel.”
As perspectivas dos historiadores
Resumindo a situação da época, o historiador israelense Louis Rapoport escreveu:
Imediatamente após a Revolução [Bolchevique], muitos judeus ficaram eufóricos com sua alta representação no novo governo. O primeiro comitê central do partido comunista de Lênin era dominado por homens de origem judia.
Sob Lênin, os judeus se envolveram em todos os aspectos da Revolução, inclusive seu trabalho mais sujo. Apesar das promessas dos comunistas de erradicar o anti-semitismo, ele se espalhou rapidamente após a Revolução – em parte por causa da proeminência de tantos judeus na administração soviética, assim como nos movimentos de sovietização traumáticos e inumanos que se seguiram. O historiador Salo Baron ressaltou que um número imensamente desproporcional de judeus entrou na nova polícia secreta bolchevique, a Cheka, e muitos dos que a Cheka considerava culpados eram fuzilados por investigadores judeus.
A liderança coletiva que emergiu nos dias finais de Lênin era encabeçada pelo judeu Zinoviev, um Adônis loquaz, mesquinho e de cabelos ondulados cuja vaidade não tinha fim.
“Aquele que tinha o azar de cair nas mãos da Cheka,” escreveu o historiador judeu Leonard Shapiro, “tinha grande chance de ser fuzilado por um investigador judeu. Na Ucrânia, “os agentes judeus representavam mais de 80% da Cheka,” relata W. Bruce Lincoln, professor americano de história russa. (Começando como Cheka, ou Vecheka) a polícia secreta soviética mais tarde ficou conhecida como GPU, OGPU, NKVD, MVD e KGB.
À luz de tudo isso, não deveria surpreender, já que eram judeus o Yakov M. Yurovksy, líder do esquadrão bolchevique que realizou o assassinato do Czar e sua família, e Sverdlov, chefe soviético que assinou conjuntamente a ordem de Lênin para a execução.
Igor Shafarevich, um matemático russo de fama mundial, tem criticado severamente o papel dos judeus na derrubada da monarquia Romanov e no estabelecimento do governo comunista em seu país. Shafarevich foi um dos principais dissidentes durante as décadas finais do governo soviético. Um destacado ativista pelos direitos humanos, ele foi um membro fundador do Comitê em Defesa dos Direitos Humanos na URSS.
Russofobia, um livro escrito dez anos antes do colapso do governo comunista, ele notou que os judeus eram “surpreendentemente” numerosos entre o pessoal da polícia secreta bolchevique. A característica judaica dos carrascos bolcheviques, continua Shafarevich, fica bem evidente na execução de Nicolau II.
Esta ação simbolizou o fim de séculos de história russa, podendo ser comparada apenas à execução de Carlos I na Inglaterra ou Luís XVI na França. Poder-se-ia pensar que os representantes de uma insignificante minoria étnica prefeririam ficar o mais longe possível dessa dolorosa ação, que iria reverberar em toda a história. No entanto, com que nomes nos deparamos? A execução foi pessoalmente supervisionada por Yakov Yurovsky, que fuzilou o Czar; o presidente do Soviete local era Beloborodov (Vaisbart); a pessoa responsável pela administração geral em Ekaterinburg era Shaya Goloshchekin. Para completar o quadro, na parede do quarto onde a execução aconteceu achava-se um verso de um poema de Heine (escrito em alemão) sobre o Rei Baltasar, que ofendeu Jeová e foi morto pela ofensa.”
Em seu livro de 1920, o veterano jornalista britânico Robert Wilton ofereceu uma avaliação igualmente dura:
Todo o registro do bolchevismo na Rússia está marcado com o selo da invasão estrangeira. O assassinato do czar, deliberadamente planejado pelo judeu Sverdlov (que veio para a Rússia como agente remunerado da Alemanha) e levado a cabo pelos judeus Goloshchekin, Syromolotov, Safarov, Voikov e Yurovsky, é um ato não do povo russo, mas deste invasor hostil.
Na luta pelo poder que se seguiu à morte de Lênin em 1924, Stalin saiu vitorioso, conseguindo levar à morte quase todos os seus rivais, líderes proeminentes dos primeiros bolcheviques – incluindo Trotsky, Zinoviev, Radek e Kamenev. Com o passar do tempo, e particularmente depois de 1928, o papel dos judeus na alta liderança do Estado soviético e do seu partido comunista diminuiu acentuadamente.
A morte sem julgamento
Por alguns meses depois de tomar o poder, os líderes bolcheviques consideraram trazer “Nicholas Romanov” diante de um “Tribunal Revolucionário” que divulgaria seus “crimes contra o povo” antes de condená-lo à morte. Precedente histórico existia para isso. Dois monarcas europeus perderam suas vidas em conseqüência de revoltas revolucionárias: o inglês Charles I foi decapitado em 1649 e o francês Louis XVI foi guilhotinado em 1793.
Nestes casos, o rei foi executado após um longo julgamento público, durante o qual ele foi autorizado a apresentar argumentos em sua defesa. Nicolau II, no entanto, não foi acusado nem julgado. Ele foi secretamente condenado à morte – junto com sua família e funcionários – na calada da noite, em um ato que se assemelhava mais a um massacre ao estilo de gângster do que a uma execução formal.
Por que Lenin e Sverdlov abandonaram os planos para um julgamento do ex-czar? Na visão de Wilton, Nicolau e sua família foram assassinados porque os governantes bolcheviques sabiam muito bem que não tinham apoio popular genuíno, e com razão temiam que o povo russo jamais aprovasse o assassinato do czar, independentemente de pretextos e formalidades legalistas.
De sua parte, Trotsky defendeu o massacre como uma medida útil e até necessária. Ele escreveu:
A decisão de matar a família imperial não foi apenas conveniente, mas necessária. A gravidade dessa punição mostrou a todos que continuaríamos a lutar impiedosamente, e nada nos pararia. A execução da família e do czar era necessária não apenas para assustar, horrorizar e injetar uma sensação de desesperança no inimigo, mas também para sacudir nossas próprias fileiras, para mostrar que não havia como voltar atrás, que à frente havia uma vitória total ou derrota total. Lenin sentiu-se bem.
Contexto histórico
Nos anos que antecederam a revolução de 1917, os judeus estavam desproporcionalmente representados em todos os partidos esquerdistas subversivos da Rússia. O ódio judaico ao regime czarista tinha base em condições objetivas. Das principais potências européias, a Rússia imperial era a mais institucionalmente conservadora e antijudaica. Por exemplo, os judeus não tinham permissão para residir fora de uma área ,oeste do Império, conhecida como “Pale of Settlement”.
Por mais compreensível, e talvez defensável que seja, a hostilidade judaica contra o regime imperial, e o notável papel judaico no regime soviético é vastamente mais tirano e menos fácil de justificar. Em um livro recentemente publicado sobre os judeus na Rússia durante o século 20, a escritora judia russa Sonya Margolina chega ao ponto de chamar o papel judaico de apoiar o regime bolchevique como “pecado histórico dos judeus”. Ela aponta, por exemplo, para o papel proeminente dos judeus como comandantes da concentração soviética do Gulag, dos campos de trabalho, e o papel dos comunistas judeus na destruição sistemática das igrejas russas. Além disso, ela continua: “Os judeus de todo o mundo apoiaram o poder soviético e permaneceram em silêncio diante de qualquer crítica da oposição”. À luz desse registro, Margolina oferece uma previsão sombria:
A exagerada participação entusiásta dos bolcheviques judeus na subjugação e destruição da Rússia é um pecado que será vingado. O poder soviético será equiparado ao poder judaico, e o furioso ódio contra os bolcheviques se tornará ódio contra os judeus.
Se o passado é alguma indicação, e é desagradável que muitos russos irão procurar a revanche que Margolina profetizou. De qualquer maneira, acusar “os judeus” pelos horrores do comunismo parece mais justificável que acusar “pessoas brancas” pela escravidão negra, ou “os alemães” pela Segunda Guerra Mundial ou pelo “Holocausto”.
Palavras de um prodígio sinistro
Nicolau e sua família são somente os mais conhecidos das incontáveis vítimas do regime que abertamente proclamou seu implacável propósito. Umas poucas semanas após o massacre de Ekaterinoburgo, um jornal do recente Exército Vermelho declarou:
Sem piedade, sem poupar. nós iremos matar nossos inimigos pelas cifras de centenas, deixem elas serem milhares, deixem eles derramar neles mesmos o próprio sangue. Pelo sangue de Lenin e Uritskii deixem fluir os dilúvios de sangue da burguesia – mais sangue, tanto quanto for possível.
Grigori Zinoviev, discursando num comício dos Comunistas em setembro de 1918, efetivamente proununciou a sentença de morte para dez milhões de seres humanos: “Nós devemos nos importar com 90 milhões dos 100 milhões de habitantes da Rússia soviética. Enquanto para o resto, nós não temos nada a dizer. Eles devem ser aniquilados.
“Os vinte milhões”
Como se tem visto, o pedágio soviético das vidas humanas e sofrimento provou ser muito maior do que sugeriu a retórica assassina de Zinoviev. Raramente, se teve notícias de um regime que tirou tantas vidas, e todas de seu próprio povo.
Citando os documentos recentemente disponíveis da KGB, o historiador Dmitri Volkogonov, líder de uma especial comissão parlamentar russa, concluiu que “de 1929 para 1952 – 21,5 milhões de [soviéticos] foram reprimidas. Destas, um terço foi baleada, o resto sentenciada a prisão, onde muitos também morreram.
Olga Shatunovskaya, membro da Comissão Soviética de Controle do Partido, e líder de uma comissão especial durante os anos de 1960 apontada pelo premier Khrushchev, similarmente concluíu: “De 1º de janeiro de 1935 para 22 de junho de 1941, 19,840,000 inimigos do povo foram presos. Destes, sete milhões foram baleados na prisão, e a maioria dos outros morreram no campo.” Estas afirmações foram também achadas nos papéis do Politburo (comitê do partido) de Anastas Mikoyan.
Robert Conquest, distinto especialista da história soviética, recentemente trouxe a superfície um sinistro relato da “repressão” soviética de seu próprio povo.
“É difícil evitar a conclusão que o pedágio de mortes pós 1934 foi bem maior que os dez milhões. Para isto deve ser adicionada vítimas de fome de 1930 – 1933, as deportações do kulak, e outras campanhas anti-camponeses, fazendo assim outros dez milhões às mais. O total está consequentemente ao alcance do que os Russos agora referem-se como ‘Os Vinte Milhões’.”
Uns poucos outros acadêmicos tem fornecido estimativas significantemente maiores.
Retrospecto da era Czarista
Com o dramático colapso do regime soviético, muitos russos estão aceitando uma nova e mais respeitável imagem do país como também do período pré-comunismo, incluindo a era do último imperador Romanov. Os sovietícos – e muitos no ocidente – percebem esta era como uma época de despotismo arbitrário, cruel supressão e pobreza em massa, mas a realidade é outra.
É verdade que o poder do Czar era absoluto, que somente uma pequena minoria tinha voz política e que as massas eram camponeses, mas é digno de nota dizer, que os russos durante o reinado de Nicolau II tinham liberdade de imprensa, religião, assembléias, associação e proteção da propriedade privada, sindicatos dos trabalhasores. E inimigos jurados do regime eram tratados com destacável clemência.
Durante as décadas anteriores da eclosão da Primeira Guerra Mundial, a ecomomia russa estava florescendo. De fato, entre 1890 e 1913, o crescimento dos russos no mundo era o mais rápido. As linhas férreas que foram abertas no tempo do império, foram duas vezes mais rápidas do que no tempo do regime soviético. Entre 1900 e 1913, a produção de ferro aumentou em 58%, enquando o carvão mais do que dobrou.
Grãos exportados da Rússia alimentaram toda a Europa. Finalmente, as últimas décadas da Rússia czarista testemunharam um magnífico florescimento da vida cultural.
Tudo mudou com a Primeira Guerra Mundial, houve uma catástrofe para a Rússia e para todo o Ocidente.
Sentimento Monarquista
Apesar da (ou talvez por causa da) implacável campanha oficial durante a era soviética de acabar com as lembranças da época dos Romanovs e da Rússia imperial, um culto popular de veneração por Nicolau II tem avançado na Rússia nos anos recentes.
As pessoas vem comprando, dos vendedores das ruas de Moscou, São Petersburgo e outras cidades russas, retratos de Nicolau II. Seu retrato figura agora em inúmeros lares e apartamentos. No final de 1990, todas as 200.000 cópias da primeira edição de um panfleto de 30 páginas sobre os Romanovs foram rapidamente esgotadas. Disse um vendedor de rua: “eu pessoalmente vendo quatro mil cópias em pouco tempo. É como uma explosão nuclear. As pessoas realmente querem saber sobre o Czar e sua família.” Bases pró-czarismo e organizações monarquistas tem brotado em muitas cidades.
Uma pesquisa de opnião pública conduzida em 1990 constatou que três de quatro cidadãos soviéticos consideraram o assassinato do Czar e de sua família como um desprezível crime. Muitos russos ortodoxos vêem Nicolau II como um mártir. A independente “Igreja Ortodoxa” canonizou a família imperial em 1981, e a a Igreja Ortodoxa Russa de Moscou tem estado sob popular pressão para fazer o mesmo, a despeito de sua relutância de longo tempo para tocar neste tabu oficial. O Arque-Bispo da Igreja Ortodoxa de Ekaterinoburgo anunciou planos em 1990 para construir uma grande igreja nos local das mortes. “As pessoas amavam o Imperador Nicolau II,” ele disse. “Sua memória vive com as pessoas, não como um santo, mas como alguém executado sem veredito de corte, injustamente, como um sofredor por sua fé e por sua ortodoxia”.
No aniversário de 75 anos do massacre (julho de 1993), russos recordaram a vida, morte e legado de seu último Imperador. Em Ekaterinoburgo, uma grande cruz branca enfeitada com flores, marca o local onde a família foi morta, choros enlutados como hinos foram foram cantados e orações foram feitas para as vítimas.
Refletindo ambos sentimento popular e novas realidades políticas sociais, a bandeira tricolor horizontal, branca, azul e vermelha foi oficialmente adotada em 1991, substituindo a bandeira soviética vermelha. E em 1993, a águia imperial de duas cabeças foi restaurada como emblema oficial da nação, substituindo o martelo e a foice soviética. Cidades que tinham sido renomeadas para honrar figuras comunistas – tais como Leningrado, Kuibyshev, Frunze, Kalinin, e Gorky – tem readquirido seus nomes da era czarista. Ekaterinoburgo, a qual tinha sido nomeada Sverdlovsk pelos soviéticos em 1924 em honra ao chefe judaico-soviético, em setembro de 1991 restaurou seu nome pré-comunista, na qual presta honras a imperatriz Catarina I.
Significado simbólico
Na visão de milhões que seriam condenados a morte pelos governantes soviéticos nos anos seguintes, o assassinato da família Romanov pode não parecer de importância extraordinária. Mas o evento tem profundo significado simbólico. Nas palavras do historiador Richard Pipes da Universidade de Harvard:
A maneira na qual o massacre foi preparado e realizado, a princípio negado e justificado, tem algo excepcionalmente odioso sobre a questão, algo que radicalmente distingue ele dos atos anteriores ao assassinato do rei e marca isso como o prelúdio para os assassinatos em massa do século XX.
Outro historiador, Ivor Benson, caracterizou o assassinato da família Romanov como um simbolo trágico destino da Rússia e, certamente, do Ocidente inteiro, neste século de conflitos e de agonias sem precedentes.
O assassinato do Czar e de sua família é ainda mais deplorável, porquê qualquer que fossem suas falhas como um monarca, Nicolau II era, uma pessoa decente, generosa, humana e homem honrado.
O lugar do massacre na história
O abate em massa e caos da Primeira Guerra Mundial, e os levantes revolucionários que varreram a Europa em 1917 – 1918, trouxeram um fim não somente na antiga dinastia Romanov na Rússia, mas para a inteira ordem social continental. Varreu também a dinastia Hohenzollern na Alemanha, com sua monaquia constitucional estável, e a antiga dinastia Habsburgo da Austria-Hungria com seu império multinacional da Europa Central. Estados líderes da Europa compartilhavam não somente as mesmas fundações cristãs e da cultura ocidental, mas a maioria dos monarcas reinantes da Europa estavam vinculados por sangue. O Rei George da Inglaterra foi, através de sua mãe, primo em primeiro grau do Czar Nicolau, e através de seu pai, primo em primeiro grau da Imperatriz Alexandra. O Kaiser Guilherme da Alemanha foi primo em primeiro grau de Alexandra, nascida na Alemanha, e um distante primo de Nicolau.
Mais do que as monarquias da Europa ocidental, a personalidade do Czar da Rússia simbolizava sua terra e nação.
Assim, o assassinato do último imperador de uma dinastia que governou a Rússia por três séculos não só indicava simbolicamente a matança comunista em massa que reivindicaria tantas vidas russas nas décadas que se seguiram, mas era um símbolo do esforço comunista para matar a alma e o espírito da própria Rússia.
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